quinta-feira, 22 de julho de 2010

A praça


As praças nos reservam tanto. Os nossos olhos, muitas vezes soberbos e desatentos, desprezam as praças. As extensas acabam tornando-se desiguais, já que em horizonte demonstram a padronização e a perfeição simétrica da construção simples e eficaz. Porém, uma madeira diferente aqui, uma grama menos verde acolá. Até os pombos se concentram em apenas um ponto da praça, recebendo migalhas, ciscos e sujeira acumulada pelo vento que vez em quando é capaz de desarrumar a desorganização natural do espaço.
Conquanto, algo estava diferente naquele dia. Ela acordara, escovara os dentes como já de costume, tomava seu capuccino. Ah, não dava mais prazer a ela que sentir o quente invadir o frescor tão ardente de sua boca. Tomou um banho, sempre na correria, se arrumou, colocando a primeira roupa que via. No cabelo castanho escuro só passava uma escova de madeira velha. Saía de casa com o Sol mais brilhante no rosto. Impressionava-se, pois nunca o vira tão brilhante assim. A praça ficava de frente para a sua casa. Inevitavelmente, via tudo o que ocorria lá. As senhoras, sem afazeres, tricotando sobre a vida alheia. As mensalinas com suas roupas curtas e apertas, mostrando seus corpos como animais expostos em açougue, tentavam conseguir o seu ganha pão. Mas algo, de certo, a chamava a atenção: os velhinhos tão frágeis, tão emocionados e como crianças no ímpeto de sua alegria, jogavam cartas, riam com os seus baralhos e sempre exaustos por já terem brincado tanto, iam para casa no final do dia.
Algo faltava. E quando percebeu, o velhinho que mais lhe chamava a atenção não estava lá. Cogitou diversas hipóteses, desde a impossibilidade até o falecimento. Quis afastar essa terrível idéia do pensamento. Era como se doesse, era como se aquele velhinho já fosse seu, a quem dedicava sua rotina, sua memória, o seu tempo livre. E ele nem sequer sabia disso, uma grande ironia do destino. Talvez tivesse escolhido apenas ficar em casa, mudar a sua rotina. Afinal, ele era livre. Diferente dela, que era refém de seu próprio cotidiano. Uma esposa fiel, devota, submissa. Dentro do seu medo de se libertar, de ser independente se trancafiara e jogara a chave fora. De tempo em tempo impulsionava o desejo de mudar, porém, era apenas no plano dos sonhos. Nem se realmente quisesse poderia mudar. Era mais forte do que ela. Mais cômodas eram as desculpas, os motivos para continuar sendo a mesma. Acordou, de repente, de seu pesadelo instantâneo, no subterrâneo de si. Olhou para o céu, já estava tarde. Já estava na hora do jantar. E com seu grito mudo de despedida, uma lágrima contida nos olhos, hesitante em descer. Foi para casa. Sozinha.

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