quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Linhas

Dois pontos e eu escrevia. Descrevia. Uma pureza tão gelada desse ar arrepiava-me, mas ao mesmo tempo, tocava os pontos de mais estímulo do meu corpo. Saía para o jardim, meia nos pés, sandálias de dedo. Blusas estampadas, rasgadas, enfim. Mãos enrrugadas, olheiras realçadas, assim. Sentia molhar meus pés inócuos, aparentemente desprotegidos da grama molhada. O cansaço da rotina me fagigava a tal ponto, que não conseguia sair dali, ao observar as flores a desabrochar, o Sol baixo e pouco ameaçador. Sair da velha casa é sair da moldura antiga que se construiu há muito tempo dentro de mim. Como um quadro, que já reconstruído e restituído, adquire o tom sépia não pela sua idade, mas sim, por vontade própria.

Lágrimas.

Não sei se quero...se espero. Se me contento. Talvez, por um breve momento me afligia, me corroa. Talvez nao doa. Quem sabe, por um momento, eu me submeta. Me entregue, me transporte. Ou não me transtorne. Até o passo mais intenso, foi por mim, interrompido. O dia está nublado, as paredes brancas, juntam todas as cores presentes em mim e por fim, não se traduzem em nada. Hoje, me embebedo do sal delas, que insistem, o tempo todo, em cair.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Obscuro

Escurecia na aparência monótona da minha alma. Deixava-a fugir. Sem a minha permissão ela criava asas e partia ao encontro da sua imaginação. Ouvia lá no fundo do âmago um tic-tac que não me deixava viver. Contava sempre todos os segundos para que eu pudesse acordar e depois, nao viver mais. Quando estou acordado estou em vígila. Repetindo ações, andando sem perceber pelos mesmos quarteirões...Correndo sem direção. Censurando-me. Escondendo-me. Punindo toda a vontade que ainda está vibrante dentro de mim. E em ritmo de dança, me faço refem: dois passos pra lá...Talvez, se eu pudesse dançar mais um pouco com a sombra que corrompe meu constrangimento. Porém, quando chega o dia a sombra se vai e eu fico aqui, sozinho.

Janelas.

Corri atônito para contemplar mais uma vez o céu e o horizonte. Pena que tão rude e fragmentado pela vista de uma janela. O prédio alto, a batucada veemente. E eu, vazio. Duas batidas no meu coração e ah, eu nem percebia! Era tanto céu...pra tão pouca janela. As cortinas comportaram um pouco do vento que levaria ao meu ventre a sensação leve de que os pássaros poderiam voar pelo meu quarto livremente. A sós comigo, com meus livros, com a minha peculiar desorganização. Talvez precise de mais ares puros. Ou quem sabe, de menos quartos escuros. Ou ainda, quem sabe, de mais janelas. Para deixar também, a minha alma se levar, ao menos que em um segundo, pelo tempo.

Flores


Hoje eu resolvi pensar um pouco nas flores. Tão coloridas, vibrantes. Muitas delas com formatos absolutamente exóticos. Algumas até carnívoras. Às vezes me sinto como uma planta carnívora. Só que o meu alimento é todo o sentimento que tenho pelo e no mundo. As vibrações que formam um círculo radiante a minha volta e tudo que faço passa a ser com mais alegria. Mas só tenho essa alegria porque me motivo a continuar e deixar minhas folhas majestosas. Talvez não possua néctar, talvez nenhuma abelha irá me procurar por todas as diferenças que tenho, pela ameaça que causo. Porém, continuarei assim, a atrair todas as notas musicais mais profundas e intensas só pra mim. Toda a poesia falada, cantada e até pensada...Trarei para o meu interior. Porque não há como viver sem expressar essa loucura, esse toque de demência que atravessa tudo por onde passo. E é assim que eu vivo, me alimentando de sonhos. Conquanto, nunca os deixo se confundirem com a minha própria realidade.

"Porque a minha lucidez que é perigosa".

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Olhar


Queria poder todo dia observar o teu olhar. Acarinhar um pouco mais o seu rosto. Sentir teu abraço, teu cheiro. Aquele cheiro que meu olfato já ficou adestrado a assimilar e por fim, não esquece. Tua risada é memoravel. Há muito tempo não tinha sorrisos tão espontaneos, gargalhadas tão gostosas, tão dóceis. Quero que o tempo seja menos voraz em cruelmente se usurpar de você. Alguns sentidos mais palpaveis, outros não. Talvez esteja lentamente me sentindo levitar em algo que já doeu tanto e hoje não dói mais. Um pulsar latente que só tem a me acrescentar, tão doce! E então, tão intensa será a minha contemplação, mesmo nas poucas horas que a vida me reserva você. E ficarei sempre assim: feliz.


"Eu quero esperar pelo amanhecer, eu quero ver o Sol refletindo em você".

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Andanças



Ela, através de um espelho, olhava a sua imagem refletida. Alguns arranhões em face, algumas peculiaridades, até sardas. Um rosto esbranquiçado. Acendendo a luz parecia ter até um pouco mais de vida. Sim, um rosto iluminado e sem vida. Não era a maquiagem que a fazia assim, mas o empobrecimento dos traços, das marcas. Sem marcas, ela poderia até se parecer com algo, mas apenas com as bonecas de porcelana. Foi até o quarto, pegou sua caixinha de música, uma pequena bailarina de plástico, a música a inspirou um ballet clássico em meio as avenidas daquela terrível cidade. Ah, esse calor infernal! Porém, apesar de tudo...Saiu de casa num impulso fervoroso pelos tempos que havia perdido, pelas linhas que havia de adquirir em seu rosto. Deveria, sim, envelhecer! E com uma adrenalina e um medo sem dimensão, foi até livraria. Disfarçadamente, olhou um, dois, três livros. Nada a apetecia. Pensou ser tão inteligente e tão apta a entender tudo. Porém, a leitura que deveria fazer era de si mesma. O que gostava, o que pertencia realmente as suas verdadeiras características. Em relação a isso, era bem mais complexo. Às vezes tentava elaborar um nexo. Porque se perdia tanto nas confusões da sua alma, que nao haveria descoberto nada sobre sua essência. Isso a amedrontava. Pensava que até os trinta teria de ter formado todo o seu aparelho psíquico, todo o seu intelecto. Já deveria ter terminado a faculdade, exercido metade das suas expectativas, no mínimo. Conquanto, percebeu que não tinha dado sequer um ponto de partida. Foi sempre tão refém de suas obrigações, que esquecera, no mínimo, de lembrar de si mesma. Foi então que colocou os livros na prateleira e resolveu caminhar mais uma vez. Estava tonta, resolveu tomar um café. Isso sim a apetecia. Foi a cafeteria, pediu um café. Nem olhou se quer o rosto das pessoas que estavam a sua volta. Estava era ansiosa, isso sim. Ansiosa por menos frio interno. Lá se foi o café, ela nem percebera. Saiu e viu um enorme buraco na rua, aonde infelizmente caiu. Um vão escuro no meio da cidade. Ofegante, acordou tremula e saiu de um sonho aparentemente sem sentido. Mas havia realizado seu desejo, pelo menos um de uma gama. Sentiu que não estava mais paralisada e retirado o peso de muitos de seus dias, que a partir de agora, teriam não um fim, mas um recomeço!